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[CAPÍTULO ANTERIOR]

Transição no subsetor ferroviário

O subsetor ferroviário é o que opera na forma mais distante da programada separação de interesses e funções distintas segundo o princípio de "cada função em uma empresa, cada empresa com um interesse", e é por isso mesmo o subsetor que mais tem a ganhar com a transição nesse sentido.

Pois é exatamente em ferrovias que podemos encontrar exemplos históricos de aplicações pioneiras de formas similares a este Programa, e com visão semelhante a que devemos ter se quisermos fazer a transição de uma situação de subsetores de transporte estanques para um sistema nacional de transportes, e daí para um sistema continental de transportes.

Esse foi o exemplo que tomei das leis européias analisadas no início desta Parte Prospectiva. É nessa legislação que se encontra a solução para a superação da atual situação de esgotamento histórico de um modelo.

O que se esgota é tanto o modelo de desenvolvimento econômico guiado pelo planejador cuja função se limita à definição da "alocação dos recursos", quanto a crítica vulgar desse modelo ora aplicada pelos reformadores do Estado que entregam a infra-estrutura nas mãos de empresas privadas e esperam que elas planejem o futuro do País.

Quando, a partir disso, ocorre a obviedade dessas empresas privadas se associarem, como fizeram as concessionárias de ferrovias na ANTF, e cobrarem dos órgãos do Estado as soluções para o futuro do País, então nos encontramos na situação desesperadora de um Estado sem planejamento, e um Governo sem projeto para esse Estado.

Tudo o que o subsetor ferroviário de transportes poderia evoluir pela simples passagem da administração da sua infra-estrutura da responsabilidade da RFFSA para as concessionárias privadas, que são ganhos de gestão principalmente, tudo isso está atingindo o seu limite agora em 2007. Esse processo foi descrito na Parte Retrospectiva, e dele vale destacar o evento "Brasil nos Trilhos", realizado em Brasília em junho de 2006 para celebrar os 10 anos de concessões ferroviárias.

Na interpretação que eu fiz da evolução do subsetor, esse evento pode ser tomado como o marco histórico que significa o fim de uma etapa, e necessário início de outra.[1] Esse foi o tom levado ao evento pela ANTF, representante dos interesses privados, para cobrar dos representantes do Estado planos para a evolução futura do subsetor.

Na opinião das concessionárias privadas, esgotou-se a possibilidade de progresso que se poderia obter do "saneamento" das superintendências regionais da RFFSA, devendo o Estado apontar os novos rumos do progresso das ferrovias, que na opinião da ANTF deve ser a expansão da malha ferroviária.

A expectativa privada de expansão da malha de propriedade estatal através da RFFSA justifica-se como ampliação da base econômica de sua atuação, e é justa a sua posição, pois não está no seu caráter, de empresa privada, projetar a superação dos entraves econômicos de conjunto, mas simplesmente ampliar em extensão sua área de atuação.

O que torna o futuro do subsetor temerário é o Governo do Estado que abre mão de fazer esse planejamento e espera, ingenuamente, que esse planejamento brote dos agentes privados.

É verdade que o Governo elabora um Plano Nacional de Logística de Transportes, PNLT, no qual projeta a expansão da rede ferroviária e o enfrentamento de problemas pontuais que põem obstáculos ao desenvolvimento das ferrovias, os chamados "gargalos ferroviários".

Sumarizando aquilo que já foi visto na Parte Retrospectiva, os gargalos logísticos das ferrovias serão resolvidos pelo PNLT com novos contornos ferroviários de grandes centros urbanos, remoção de moradores urbanos de faixas de domínio de ferrovias, e correção de traçados de maneira geral, tudo com vistas a aumentar a velocidade média dos trens e, com isso, diminuir os acidentes e o preço do frete, aumentando assim a produtividade do subsetor.

Mas todo esse aumento de produtividade do subsetor insere-se, ainda, nos limites daquela primeira etapa da revitalização das ferrovias, a qual se encerrou para o lado privado do subsetor com a revenda da Brasil Ferrovias em 2006, e deveria ter se encerrado para o lado público no mesmo prazo se o Estado tivesse cumprido com sua parte dos contratos de concessão.

Pois todo esse "avanço" que o PNLT anunciou no fim de 2006 deveria ter sido feito desde 1996, segundo os contratos de concessão, já que remoção de população de propriedade estatal somente o Estado pode fazer, e assim tem de ser, pois se até isso os reformadores do Estado tivessem delegado à iniciativa privada, teriam aberto um precedente jurídico perigosíssimo de privatização do poder policial e quebra do monopólio estatal da violência, ainda que hoje ele não passe de uma idéia jurídica.

Todavia, o que importa para o futuro do subsetor, a partir desse quadro de cegueira do planejamento, é o que fazer para não se deixar estancar o relativo progresso que as ferrovias tiveram na última década.

Essa é a opinião dos representantes do Estado, que esposam a opinião das empresas privadas e vêem o progresso das ferrovias —assim que finalizada a etapa de "saneamento" das superintendências regionais da RFFSA— na ampliação da rede. O problema está em que os agentes do Estado estão defasados em relação às empresas privadas do subsetor, e sua parte no saneamento das ferrovias apenas começa a ser "planejada", quem dirá executada!

A diferença das posições quanto à expansão da Rede Ferroviária Federal que causam os conflitos entre as partes privada e pública do subsetor, portanto, não é quanto a se devem ou não fazer essa expansão, mas quando fazê-la.

Minha proposta, a contrapelo dos agentes públicos e privados do subsetor, é que não se faça a expansão da rede, pelo menos não antes de se fazer a reforma jurídica do Programa e nunca mais segundo a norma jurídica que rege as atuais concessões.

Antes que essa posição heterodoxa cause estranhamento, devo explicar como prevejo as conseqüências da implementação deste Programa e como ela deverá afetar as diversas partes envolvidas no subsetor e, mais importante, como poderá o subsetor conviver transitoriamente com uma norma jurídica herdada de 10 anos atrás, que rege as atuais concessões, e com uma outra norma para um novo modelo.

 

 

Programa de Aceleração do Crescimento retardará a transição

Nestes dias em que escrevo este Programa, a atual administração do Governo do Estado também dá ao público o conhecimento de seu programa, o Programa de Aceleração do Crescimento, PAC.

O  principal deste trabalho já estava feito antes do conhecimento do PAC, e somente nestas últimas páginas pude adequá-lo às novas condições que serão impostas pelo PAC para os setores de infra-estrutura econômica, especialmente o de transportes. Essa é a razão por que a análise desse programa não entrou na Parte Retrospectiva, mas nesta Prospectiva, pois tudo no PAC está por acontecer.

Para o caso do subsetor ferroviário de transportes, o PAC já se faz sentir com as medidas jurídicas implementadas desde o dia de seu lançamento, o 22 de janeiro de 2007, antes que com o dispêndio dos quase 8 bilhões de reais de investimentos programados até 2010.

É desse mesmo dia 22 a Medida Provisória MP353, na qual o Presidente da República determina a extinção da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima, RFFSA. Com essas 10 páginas de ato administrativo, o Governo está a alterar sensivelmente a relação entre os agentes do subsetor, inclusive no que respeita às concessões das malhas regionais da Rede.

Pois a RFFSA agonizava dentro do patrimônio estatal desde 1999, enquanto seus bens de capital mais importantes (vias permanentes e material rodante) estiveram arrendados às concessionárias privadas, essas que se associaram na ANTF. Com a MP353, as concessionárias deixarão de ser arrendatárias de patrimônio da RFFSA para serem arrendatárias de patrimônio do Tesouro Nacional.

Para aqueles planejadores que acham que o que seja do Estado é "tudo a mesma coisa", que tudo pertence a um mesmo baú do tesouro, essa medida não terá significado algum. Mas se não for essa a ideologia do planejador, então ele poderá perceber que grandes mudanças se preparam para o subsetor.

Pois a MP353 criou um Fundo Contingente (FC) da extinção da RFFSA para pagar as dívidas remanescentes da Rede, que são principalmente trabalhistas. O quadro de funcionários da extinta RFFSA passará a constar do "quadro de pessoal em extinção" da VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública subordinada ao Ministério dos Transportes, o qual pagará os salários dos ex-ferroviários. Enquanto isso, os bens de capital ora em operação (vias permanentes e material rodante) passarão ao Tesouro Nacional, que os administrará através do DNIT.

Já o FC entesourará, enquanto durar a transição do patrimônio da Rede para o Tesouro Nacional, um novo capital advindo de:

"I - recursos oriundos de emissão de títulos do Tesouro Nacional, até o valor de face total de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), com características a serem definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda;

II - recursos do Tesouro Nacional, provenientes da emissão de títulos, em valores equivalentes ao produto da venda de imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, até o limite de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais);

III - recebíveis até o valor de R$ 2.444.800.000,00 (dois bilhões, quatrocentos e quarenta e quatro milhões e oitocentos mil reais), oriundos dos contratos de arrendamento de malhas ferroviárias, contabilizados nos ativos da extinta RFFSA, não adquiridos pelo Tesouro Nacional com base na autorização contida na Medida Provisória no 2.181-45, de 24 de agosto de 2001".[2]

Dessa maneira, o Fundo Contingente manipulará capital da ordem de R$3.744.800.000,00 ou mais, a depender da lucratividade das aplicações financeiras do FC, enquanto durarem as disputas por dívidas trabalhistas, agora herdadas pela VALEC.

O mais importante é que, depois de liquidadas todas as dívidas da extinta RFFSA, o FC será igualmente extinto e os recursos sobrantes do Fundo Contingente passarão para o Tesouro Nacional. Com esse passo, previsto na MP353, o fundo único do Tesouro Nacional embolsará os lucros da liquidação do patrimônio imóvel não-operacional da RFFSA, direcionando-os, é certo, ao pagamento de dívidas de outros setores.

É o que se depreende da leitura do Art. 10, inciso IV, parágrafo 4 da medida provisória, onde se lê que

"O produto da venda dos imóveis referidos no inciso II do caput do art. 6º [citado acima] será imediatamente recolhido, pelo agente operador [do Fundo Contingente], à conta do Tesouro Nacional, e será integralmente utilizado para amortização da Dívida Pública Mobiliária Federal, devendo ser providenciada a emissão de títulos em valor equivalente ao montante recebido para capitalização do FC".[3]

Por esse enredo jurídico, o capital fixado na infra-estrutura ferroviária nos últimos 50 anos será parcialmente absorvido pelo Estado para cobrir suas despesas em outros setores, sem que o povo a perceba, através do "mecanismo de vasos comunicantes" do fundo público único do Tesouro Nacional.

O "humor negro" contido nessa MP do PAC, para quem acompanhou a hipótese defendida neste trabalho de desenvolvimento econômico pelo remanejamento de capital ocioso de um setor para outro, é que é isso mesmo o que está acontecendo agora, porém no sentido inverso! Retira-se capital ocioso dos imóveis da RFFSA transferindo-o ao Tesouro Nacional, operado pelo Ministério da Fazenda, para redirecioná-lo a outros setores e "cobrir" o rombo de outras dívidas do Estado. Ou seja, o capital imobilizado pela atividade ferroviária que poderia servir no seu revigoramento, será jogado na vala comum das dívidas do Estado. Não se acelerará crescimento algum com essa sorte de planejamento!

Mais acima escrevi que essa absorção do capital imobiliário não-operacional da RFFSA pelo "buraco sem fundo" da Dívida do Estado não será percebida pelo povo. Isso ocorrerá assim porque esse capital não está fixado na forma de material ferroviário (locomotivas, vagões, trilhos) ou em instalações de sua infra-estrutura (estações, terminais, escritórios, etc.), mas na forma de imóveis intra-urbanos atualmente sem uso ferroviário.

Por conta disso, somente a RFFSA sabe o que é ou não é imóvel da Rede, de maneira que a sua transferência a outrem não será percebida como descapitalização da RFFSA pelo povo, e é essa a "jogada-de-mestre" implícita na MP353.

Pelo contrário, atualmente a maior parte desses imóveis intra-urbanos está ocupada por famílias pobres que, na atual conjuntura, não podem ter moradia sem ajuda do Estado. O Governo poderá agora dar largas ao seus programas habitacionais com o capital ferroviário, na medida em que o leilão desses imóveis darão preferência para construção de "habitação de interesse social" pelo Ministério das Cidades, tal como se pode ler nos artigos 13 e 14 da MP353:

"Art. 13. Aos ocupantes de baixa renda de imóveis não-operacionais é assegurado o direito de preferência na aquisição do imóvel, nos termos da Lei nº 9.636, de 1998, e do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, após os procedimentos necessários de regularização fundiária de interesse social, afastada a aplicação do art. 23 da Lei nº 9.636, de 1998.

Art. 14. Os imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, excetuados os referidos no inciso II do caput do art. 6º, poderão ser alienados diretamente a Estados, ao Distrito Federal, a Municípios e a entidades públicas que tenham por objeto provisão habitacional, nos termos da Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, bem como ser utilizados em Fundos de Investimentos Imobiliários, previstos na Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, quando destinados a programas de reabilitação de áreas urbanas centrais, sistemas de circulação e transporte, regularização fundiária e provisão habitacional de interesse social, afastada a aplicação do art. 23 da Lei nº 9.636, de 1998".[4]

Através desse favorecimento à aplicação dos imóveis da RFFSA em programas habitacionais "de interesse social", a ação do Governo pelo Ministério das Cidades parecerá ao povo como uma mágica fabricação de recursos ex nihil, mas cuja causa real será a descapitalização do subsetor ferroviário, retirando-se da RFFSA justamente aquele capital que os técnicos do subsetor acreditavam poderia dar a contribuição necessária à recapitalização das ferrovias.

Vê-se neste ponto como as políticas do Governo do Estado se encontram e se chocam, umas contra as outras, de maneira que o "interesse social" supostamente resguardado no programa habitacional do Ministério das Cidades está se aproveitando do "desinteresse social" no revigoramento das ferrovias. Houvesse um plano do Governo que explicasse como tudo isso se sustentará e se complementará ao mesmo tempo, não haveria razão para se temer essas alterações. Ocorre que não existe tal plano.

Daí que este Programa que escrevo na intenção de capitalizar a infra-estrutura ferroviária já não poderá seguir as mesmas diretrizes que vinha programando até agora para o subsetor. Pois era minha intenção inicial fazer da RFFSA a empresa-ordenadora no subsetor ferroviário, de acordo com o princípio de separação de interesses e funções que adotei para os outros subsetores.

Já não poderá mais ser assim, e devo programar essa transição a partir de um cenário sem a RFFSA. Que restará então?

Primeiro de tudo, como depositário da infra-estrutura ferroviária que era patrimônio da extinta Rede, restará o DNIT. Lembramos que ele já é o depositário da infra-estrutura rodoviária, e que se programa seja também o sócio majoritário da empresa-ordenadora naquele subsetor.

De resto, há a VALEC, empresa ligada ao Ministério dos Transportes, responsável hoje pela construção da Ferrovia Nortesul, e que herdará a "banda podre" da RFFSA, as suas dívidas.

A VALEC é uma empresa pública com seus dias contados, programada para desaparecer assim que a Ferrovia Nortesul estiver entregue à iniciativa privada por meio de concessão de serviço público. Aliás, como pode se ver aqui, a sua atuação sobrepõe-se à do DNIT, qual seja, construir a infra-estrutura de transporte, mais um motivo para sua existência ser "abreviada", mas que não por isso causará essa extinção a priori.

E isso pode ser proveitoso para o futuro do subsetor no médio prazo, pois a coexistência "incoerente" de DNIT e VALEC pode ser um instrumento útil ao planejamento do subsetor, caso os planejadores saibam fazer bom uso dele.

Pois, dadas as características atuais do subsetor, inteiramente concedido a empresas privadas, pode ser que o mais interessante de início, do ponto de vista do planejamento do setor inteiro, seja tornar a VALEC a empresa-ordenadora de economia mista a concorrer e cooperar com as outras ferroviárias na função de ordenação, e não a empresa de economia mista sob controle do DNIT —tratada no capítulo sobre a transição no subsetor rodoviário—, a qual estaria, aparentemente, mais perto de se tornar a empresa-ordenadora. Vejamos por que pode ser mais seguro esse caminho "em zigue-zague".

 

 

Intransigências previsíveis

Viu-se no início desta seção, quando explicava a sobreposição de funções e interesses no subsetor ferroviário, que as concessionárias ferroviárias são, ao mesmo tempo, ordenadoras e transportadoras. A partir de agora, deve-se ver como essas mesmas empresas, que detêm as concessões por prazo de 30 anos —até mais ou menos 2026-8— têm de ser adaptadas para restringirem-se a uma única dessas funções, e como poderão aceitar a existência da empresa-ordenadora de economia mista que direcionará o subsetor.

Para tanto, deve-se lembrar o que foi contratado entre a RFFSA e essas empresas na concessão do serviço público de transporte uma década atrás, para que, a partir de sua base legal, programe-se a transição nessa direção, sem rupturas institucionais.

Naqueles contratos, lê-se que o objeto da concessão é o serviço público de transporte sob responsabilidade da RFFSA. Logo, o que está confiado às empresas privadas é a exploração desse serviço, em função do que lhe é arrendado o substrato material que possibilita tal exploração. A etiologia jurídica do núcleo do contrato entre empresa privada e União está, portanto, no serviço, do qual o arrendamento do patrimônio nada é senão uma parte acessória, conquanto essencial.

E essa ordem pôde ser estabelecida muitas vezes seguidas como foi —concedendo-se muitas vezes o mesmo "direito" de exploração do serviço público de transporte a várias empresas— somente pela característica regional como foi feito o certame.

Pois só se garantiu a aplicação de fato desse direito concedido, que em si não pode ser replicado ou dividido, mediante a repartição da base material que lhe dava sustento jurídico, que era a malha e o material ferroviários, o que eu havia chamado de "acessório"  parágrafos acima.

Se pensarmos agora que o próximo passo necessário ao subsetor bem como a todo o setor é separarem-se as empresas responsáveis pela infra-estrutura daquelas responsáveis pelo serviço, nos encontraremos diante do problema de separarmos a atividade-fim inscrita no corrente contrato de concessão, da base material que lhe dá sustento jurídico. Isso não é uma questão teórica, mas um problema prático que será enfrentado no caso de aplicação deste Programa, e para o qual se deve estar preparado para resolver assim que ele se apresentar.

Para qual lado levar as atuais concessionárias ferroviárias que sobrepõem ambas funções de ordenadora e transportadora, eis a questão agora. Vimos pelo examinado do contrato neste capítulo e igualmente na Parte Retrospectiva, quão intricadas estão as duas funções nas concessionárias ferroviárias. Mas também vimos que existe uma relação de dependência entre essas funções, pela qual uma função surge da outra.

É por isso que o procedimento nessa questão deve ser pela continuidade jurídica que esse contrato pode ter nessa fase de transição a uma nova norma estável que imponha a existência de empresas distintas para funções distintas—, ou seja, a partir do enquadramento das concessionárias ferroviárias como empresas-transportadoras.

Por esse caminho, ficará descoberta a função de empresa-ordenadora a dar as condições de operação a todas essas empresas que passarão à função do serviço. Essa lacuna deverá ser preenchida por uma empresa do Governo do Estado, a VALEC, mas não de uma vez, senão que gradualmente. Logo, o crucial nessa nova questão não será o que fazer, que já sabemos, mas quando fazê-lo. A transição deverá observar alguns passos, os quais agora posso apenas esboçar.

Em primeiro lugar, o CONIT tem de instituir o direito de acesso, definido no início desta Parte Prospectiva, com igual estatuto que o direito de passagem. Isso porque este último já existe assente na norma jurídica brasileira, e é parte integrante dos contratos de concessão.

Com isso, será possibilitada a operação inicial de mais de uma empresa-transportadora em uma mesma estrada de ferro. Essa possibilidade será de início quase imperceptível, pois o direito de passagem é dependente de acordo entre as partes, no que se pode esperar muita intransigência da parte das atuais concessionárias em compartilhar a "sua" infra-estrutura. Contudo, o que importa é ter o direito aprovado o quanto antes.

Pois deverá ser por novas vias que o novo estatuto do subsetor se desenvolverá, em infra-estrutura nova, para empresas de novo tipo. Aí sim a expansão da malha deverá ser feita, para que em uma nova estrada de ferro, a empresa-ordenadora de propriedade estatal designada a iniciar a transição no subsetor possa executar sua tarefa sem incidir em quebra de contratos ou rupturas institucionais. As eventuais transformações que se esperam para o subsetor deverão aparecer, entenda-se, gradualmente e por força do interesse em aproveitar uma norma jurídica mais apropriada ao desenvolvimento do modo ferroviário daqui para a frente, e não pela força do Governo.

E quando essa nova estrada de ferro puder aproveitar-se das novas características do Acesso Aberto no subsetor, e nela influam cargas rodoviárias e aeroviárias de verdadeiras empresas de logística, operando em multimodalidade, então a força motriz do seu desenvolvimento já não deverá mais ser o artificial programa de "alocação de recursos" dos planejadores do Governo, mas a própria manifestação da transformação da capacidade ociosa do setor em movimento dinâmico da economia.

Essa estrada deverá ser, daí, o eixo de desenvolvimento do novo sistema nacional de transportes com base em ferrovias, e por isso a localização dessa estrada não será fortuita.

Por tudo isso, a nova estrada de ferro a iniciar a transição deverá ser a Ferrovia Nortesul, que ligará o Centro-sul ao Norte do Brasil, cobrindo 2.000km de desentendimentos históricos e exploração de desigualdades.

 

 

Por que a Nortesul?

Como ferrovia axial, a futura Nortesul poderá servir adequadamente a esse propósito.[5] Seu caráter transformador do território brasileiro é, talvez, ignorado pela maioria dos planejadores. Mesmo o atual Presidente da República somente veio a compreender a importância dessa estrada depois de assumir seu cargo. Quando em campanha, atacava abertamente sua construção, dizendo que a Ferrovia Nortesul ligaria "nada a lugar nenhum".[6]

O traçado projetado ligará o estado de Goiás e Tocantins ao porto de Itaqui no Maranhão, de Porto Nacional-TO a Açailândia-MA (trecho norte) primeiro, e depois de Porto Nacional/Palmas-TO a Porangatu-GO (trecho sul). O primeiro trecho está virtualmente concluído, e tem estudo de viabilidade econômica aprovado pela Casa Civil e Ministério dos Transportes. Já o trecho sul, ainda em projeto, pode não vir a ser construído tão cedo.

Isso porque o estudo encomendado à Comissão Andina de Fomento (CAF) retornou um cenário negativo de sua futura exploração. Era da esperança do Governo do Estado brasileiro construir o trecho sul com o almejado lucro de R$200 milhões da concessão do trecho norte. A concessão de ambos os trechos projetava-se para período de 20 anos, renováveis para mais 20 anos. Mas essa inversão de capitais de um trecho para o outro, se acontecer, será no futuro, pois não se concluiu o trecho norte para concedê-lo a uma empresa privada, permanecendo o que existe do trecho norte da nova ferrovia sob os cuidados da CVRD, que é proprietária da E.F.Carajás à qual se liga a Ferrovia Nortesul. Avançar nesse sentido está fora da perspectiva da atual administração do Governo do Estado, que já aloca recursos extras do PAC para construir o trecho sul de Porangatu-GO a Anápolis-GO.

A área de abrangência da ferrovia compreende os estados de Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins, Pará e Distrito Federal. Apenas nestes dois últimos, para se ter uma vaga idéia das transformações que estão em curso no "Brasil Central",[7] a área plantada com a cultura da soja aumentou quase oito vezes de 2000 a 2005.[8] A Nortesul será, em breve, a nova "ferrovia da soja", cuja cultura implanta-se na nova fronteira agrícola do território do Estado brasileiro.

Relembre-se o que foi escrito na Parte Retrospectiva quanto à função da ligação da fronteira agrícola ao mercado interno no desenvolvimento do modo rodoviário e no estabelecimento do mercado interno na forma de rodovias no século passado. Veja-se agora como essa necessidade volta a se apresentar para ser realizada por uma rede de transporte. Restará inconteste o quão crucial será o estabelecimento da Ferrovia Nortesul como espinha dorsal do novo sistema a se desenvolver pelo impulso da ocupação dessa fronteira, antes que a Rodovia Belém-Brasília o faça e se perda essa oportunidade histórica.

Se compararmos o quadro atual do projeto dessa ferrovia, com o que foi descrito do projeto das antigas ferrovias no território do Estado brasileiro na Parte Retrospectiva, veremos que pouco mudou de lá para cá no que importa a determinação de seu traçado. As ferrovias continuam sendo a infra-estrutura de transporte de produtos primários de baixo valor agregado e elevados volume e peso, cujo destino é o exterior.

E esse quadro pouco mudou porque essa característica nacional não mudou de lá para cá, e o Brasil continua sendo visto, do ponto de vista estrangeiro, como um reino de "cultura e opulência por suas drogas e minas", como escreveu Antonil.[9] Mas porque a transformação dessa característica fundamental da história brasileira não será alterada "com um só golpe", ou com quantos forem, mas pela transformação das relações de produção internas pela industrialização, é que se deverá persistir nesse destino das ferrovias para implantá-las antes de tudo, pois a exportação primária poderá seguir pela rodovia Belém-Brasília em um cenário sem ferrovias, mas a industrialização do País não poderá prescindir delas.

Contudo, afora os interesses estrangeiros em matéria-prima barata, quais interesses internos estão em pugna nessa nova fronteira agrícola?

Passando por cima de toda a importante "questão da terra", que não encontra espaço neste trabalho já bastante dilatado, uma única promessa assoma dos projetos governamentais para a dita fronteira agrícola: o Programa do Biodiesel.

Neste ponto em que estamos, tratando da área de influência e abrangência da Ferrovia Nortesul, o Programa do Biodiesel incide como o principal produtor nessa área de abrangência a procurar novas vias de transporte para o escoamento de sua produção, pois essa produção está, assim como a ferrovia, em fase de implantação. A diferença importante é que a fronteira agrícola avança muito mais rapidamente do que a construção da ferrovia.

Do ponto de vista do Programa do Biodiesel, a sua distribuição para consumo se dará, de início, no mercado interno, e primeiro pelo Programa B-20 —que estabelece que o volume de diesel derivado de petróleo comercializado como combustível no transporte deverá ter uma participação de 20% de biodiesel. Outras soluções serão ainda mais avançadas, como a previsão da FCA, em acordo com a Petrobras, de utilizar até 50% do biodiesel em 5 anos, tendendo a transformar seus motores totalmente para o novo combustível até 2020.[10]

Daí que, para dar vazão ao escoamento do biodiesel para suprir o mercado interno de combustíveis, a Ferrovia Nortesul deverá cumprir seu papel a contento. Ligar diretamente o Norte com o Sul, a região de maior produção com a região de maior consumo, sob a pena de perder a concorrência com a rodovia Belém-Brasília.

Vale frisar, por fim, que esse impulso do biodiesel legará, para o modo ferroviário no Brasil, uma infra-estrutura preparada para novas atividades e, o mais importante, já ligando os portos do litoral norte com os portos do leste, sejam aqueles no Maranhão ou Pará, sejam estes em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo ou Paraná.

E com essas ligações prontas, o eixo nacional da Ferrovia Nortesul ficará a um passo de se conectar com o eixo continental a se estabelecer entre Santos, no Brasil, e Arica, no Chile.

Definida a importância capital da Nortesul, resta prever como se garantirá a aplicação do Programa para essa nova estrada. Escrevi anteriormente na conclusão da Parte Retrospectiva, que sua garantia deverá ser física, em estrutura material que impossibilite o desvirtuamento dos propósitos do Programa por arbitrariedades surgidas de interesses dos políticos.

Daí a razão de se fazer uma estação de transição intermodal, que movimente contêineres, articulando fluxos ferroviários, rodoviários, e aeroviários, para realizar o Partido do Programa. Essa estação será explicada no próximo e último capítulo, mas falta apenas que se delimitem as condições de contorno de seu futuro funcionamento que geraram o seu projeto.

Pois o caso de uma estação de transição intermodal na Ferrovia Nortesul é ainda mais complexo do que "simplesmente" unir diversos modos de transporte. É preciso unir o País dividido em dois, em Norte e Sul, divisão cantada pelos cientistas políticos nas últimas eleições, e que ainda por cima criou a estupidez técnica de se ter duas bitolas para os trilhos de uma mesma ferrovia: 1,60m no Trecho Norte —de Colinas do Tocantins-TO a Açailândia-MA para conexão nos 1,60m da E.F.Carajás—; e 1,00m no Trecho Sul —desde Porangatu-TO até a conexão em Senador Canedo-GO no 1,00m da FCA.

Foram projetadas duas bitolas para uma mesma ferrovia, uma para o Norte, uma para o Sul, de maneira que as cargas da fronteira agrícola pudessem ser divididas uma parte para o Norte, até Itaqui-MA, e outra parte para o Sul, até Santos-SP. E essas características técnicas da Nortesul lhes foram dadas para servir aos interesses regionais de quem a projetou; interesses que dão a forma da ocupação do território nacional e de como ele é apropriado sucessivamente no tempo. Uma ferrovia "maranhense", queria o Presidente Sarney, quando aprovou a sua construção.[11]

Mas essas características genéticas podem ser transformadas depois de nascida a ferrovia, através da construção de uma estação onde se faça a transição de bitolas.

Portanto, a Estação de Transição deverá ser tanto de transição intermodal, como já foi argumentado, bem como de transição de bitolas de trilho. Por isso proponho que o Trecho Norte não acabe em Colinas do Tocantins-TO, mas seja prolongado até Brasília-DF, onde se faça a transição de bitolas e de modos de uma só vez. Por outro lado, deve-se prolongá-la ao norte, para além de Açailândia-MA, até Belém, cujo porto está mais preparado a operar contêineres e é um porto público, diferente do de Itaqui-MA dominado pela CVRD para a E.F.Carajás.

A importância de Brasília para o planejamento dos transportes está mais além de ser a sede das autarquias, empresas, ministérios, agências e demais órgãos públicos do setor. Independente do papel que se guarde para esses órgãos no futuro do planejamento dos transportes no Brasil, Brasília destaca-se pelo posicionamento estratégico no planalto central de vultosa infra-estrutura urbana, preparada para suportar a atividade de uma Estação como essa.

E deverá ser Brasília o fundamento desse eixo da Ferrovia Nortesul, o que já era previsto vinte anos atrás, quando a ferrovia era só uma idéia.[12]

Basta que se crie agora a Estação que dê início à transição.



[1]

Uma semana antes do evento, a Brasil Ferrovias passou para o controle da ALL, encerrando o processo de concessões iniciado em 1996, e com isso tornando-se a última ferrovia a passar pelo processo de desregulação do trabalho, demissão de empregados em massa, quitação de débitos e liquidação de patrimônio por que passaram as outras ferrovias anos antes.

[2]

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; CASA CIVIL; SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Medida Provisória 353 de 22 de janeiro de 2007. Brasília, 2007. p. 3. Disponível em: <http://www.revistaferroviaria.com.br/upload/MP353.pdf>. Acesso em: 23.jan.07. Além dessas receitas, o Fundo Contingente será complementado com o “resultado das aplicações financeiras dos recursos do FC” e com “outras receitas previstas em lei orçamentária”. Vale lembrar, também, que as receitas oriundas das concessões, citadas no inciso II, até ontem se direcionavam a abater os custos correntes da manutenção da RFFSA no patrimônio estatal, orçados em 14 milhões de reais por ano.

[3]

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; CASA CIVIL; SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS, 22 de janeiro de 2007, p. 5.

[4]

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; CASA CIVIL; SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS, 22 de janeiro de 2007, p. 5. No programa do Ministério do Planejamento que escreveu a MP, está indicado que o propósito da venda dos imóveis não-operacionais será bancar "Programas de Regularização Fundiária, Habitação de Interesse Social no âmbito do Ministério das Cidades: aproveitamento de áreas não-operacionais da extinta RFFSA para instituição de projetos de regularização fundiária e revitalização de centros urbanos". MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/noticias/pac/070122_extincao_RFFSA.pdf>. Acesso em: 25. jan.07.

[5]

Talvez dali alcançar Recife e o Peru, como previra Rangel:

"Sim, porque o que é mister fazer é o lançamento de um sistema ferroviário nacional, no lugar dos múltiplos sistemas regionais que temos. E, para isso, faz falta uma ferrovia que seja a espinha dorsal do sistema. Ora, a locação dessa ferrovia não poderá diferir muito da que o projeto momentaneamente engavetado esboçava [~1987]. Uma ferrovia da qual venham a partir esporões em várias direções, à direita e à esquerda, quem sabe, até Recife, de um lado, e à fronteira do Peru, de outro". RANGEL, Ignácio. "Ainda a Norte-Sul". In: RANGEL, Ignácio. Obras reunidas. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2005, v. 2, p. 525.

[6]

Discurso do Presidente da República presenciado por mim no Seminário "Brasil nos Trilhos" ocorrido em Brasília em junho de 2006.

[7]

Essa "região", o "Brasil Central", foi delimitada pela ANTT para designar as unidades federativas Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Tocantins, e partes do Pará, Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Piauí e Paraná.  Foi lançada uma concorrência pública entre empresas projetistas tendo "como objeto a avaliação econômica e identificação de prioridades relativas a projetos estratégicos de transporte terrestre – ferrovias e rodovias - na Região Central do Brasil. Como projetos estratégicos são considerados trechos ferroviários e rodoviários existentes (a serem estendidos ou melhorados) ou novos (a serem implantados),  para a movimentação de produtos de grande concentração de produção ou consumo, em rotas de longa distância". ANTT. "Anexo I- BR Central", versão preliminar do texto da concorrência disponibilizada em visita à ANTT em junho de 2006. A concorrência pública demorou 6 meses para ser lançada e, quando foi, em seguida foi cancelada, sem previsão de retorno, segundo pude apurar com um funcionário técnico responsável por essa matéria na Superintendência de Logística (SULOG) da ANTT.

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"Além da logística de transporte, fatores como o preço baixo das terras, o clima bem definido e um mercado favorável contribuíram para esse incremento', afirma Francisco Machado Júnior, técnico da Conab no Tocantins. A maior procura por terras ocorre em torno de Pedro Afonso, na região central do Estado". NORTE-SUL ABRE CAMINHO PARA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. O Estado de São Paulo, 2 de outubro de 2005. A valorização média do preço da terra atingiu 163% entre 2001 a 2004.

[9]

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Editora Itatiaia/EDUSP, 1982.

 

[10]

Atualmente, somente a Petrobras compra a produção de pequenos, médios e grandes plantadores de oleaginosas que compõem o Biodiesel: girassol, mandioca, mamona e soja. Estas duas últimas são as mais importantes no ponto em que trato: a mamona porque é a esperança do Programa de Reforma Agrária e de Irrigação do São Francisco Setentrional, pois cresce em áreas áridas e com pouco investimento; a soja porque é o produto da vez do agribusiness no Brasil que empurra a fronteira agrícola na direção da Amazônia. A informação de previsão do avanço mais rápido do biodiesel nos motores ferroviários eu colhi no "Seminário Brasil nos Trilhos", realizado em Brasília em junho de 2006, no qual representantes das principais empresas energéticas divulgaram o assunto, entre elas Petrobras e Shell.

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Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, explica por que a atual administração do Governo do Estado contemporizou com esse disparate técnico: "Como os dois percursos estão parcialmente construídos, o custo da correção de bitola seria muito alto, impedindo a viabilidade econômica do projeto’, explicou Dilma". MAIS OBRAS NA FERROVIA NORTE-SUL. Gazeta Mercantil, 4 de janeiro de 2006.

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"Não duvido que a Norte-Sul será um desses casos em que o sonho será amplamente esmaecido pela realidade. Como o sonho do Quadrilátero de Cruls, que sugeriu a Juscelino uma Brasília pequena e acolhedora, para abrigar a administração nacional, e que está rapidamente caminhando para converter-se numa metrópole de cinco ou mais milhões de habitantes. Não era o que Juscelino queria, como teve ocasião de dizer-me, mas era o que estava na ordem natural das coisas, como me coube retrucar-lhe.

Pois é a partir dessa Brasília supermetrópole, filha de nossa mente —embora não a primogênita, pois seria mister pensar primeiro em Teresina, na Chapada do Corisco, e em Belo Horizonte, no Curral d'el Rei, isso sem falar em Goiânia—, é a partir dessa Brasília, que será forçoso empreender a integração do sistema ferroviário nacional, a começar por uma estrada ligando o Sul a Itaqui e, por isso mesmo, a todo o Atlântico Norte. Como o Transiberiano, sem o qual nunca teria havido a União Soviética". RANGEL, Ignácio. "Ainda a Norte-Sul", em Obras reunidas. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, 2005, v. 2, p. 525.

 

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