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Transição no subsetor rodoviário

Naturalmente que também para o subsetor rodoviário se deverá ter como meta o estabelecimento das mesmas funções descritas nos capítulos anteriores, restando devidamente separadas as empresas ordenadoras das transportadoras e dos clientes.

Mas nesse subsetor tudo ficará mais complicado porque, não só ele é o mais desenvolvido e o mais empregado por todo o País, como já possui muitas regulações herdadas do século passado, daí que o processo de transição a um sistema de novo tipo será um desafio ao programador, e poderão haver armadilhas no meio do caminho caso não se tenha claro qual o objetivo. Assim que as mesmas mudanças deverão observar alguns passos a mais, em processo provavelmente mais delicado e demorado.

 

 

Direcionar o zigue-zague

Primeiro de tudo, analisando o subsetor rodoviário da base para o topo, observa-se que atualmente ele está manco de uma empresa-ordenadora de sua infra-estrutura assemelhada a uma Infraero ou um CINDACTA. Existem, isso sim, a Polícia Rodoviária Federal, o DNIT, os DER e as empresas privadas que administram as rodovias concedidas.

Estas últimas são responsáveis pela menor parte da infra-estrutura rodoviária, a menor mas a mais lucrativa parte dessa infra-estrutura. Porém, afora esses casos esparsos, listados no gráfico 1, todas as outras rodovias —e demais estruturas de apoio que compõem a infra-estrutura rodoviária— têm sua manutenção sob responsabilidade ou dos DER de cada unidade federativa ou do DNIT, órgão estatal controlado pelo Governo Federal através do Ministério dos Transportes.

Nunca se esquecendo do objetivo que é unir essa infra-estrutura sob o controle de uma mesma empresa-ordenadora, o Programa subsetorial deverá se amoldar inicialmente a esse cenário fragmentado de diversos ordenadores, direcionando-os à transição para um ente único, que sintetize os mesmos interesses dessa função sob uma mesma empresa-ordenadora, ainda que constituída de muitas partes.

Logo, o primeiro passo está em agir somente sobre o DNIT e os DER pois, ao contrário do que prega a ideologia privatista, as empresas privadas concessionárias não tem o mínimo de iniciativa, e seguirão o rumo ditado pelos órgãos estatais.

Já a relação entre o DNIT e os DER é conflituosa, em parte por causa da sobreposição de jurisdições de suas atividades, em parte por causa da incongruência de interesses. O primeiro desafio neste ponto será concatenar as atividades dos DER com as do DNIT, de maneira que, ainda que aparentemente, o uso da infra-estrutura das estradas de rodagem seja para as empresas-transportadoras o mais contínuo e homogêneo possível.


gráfico 1 – Mapa das Concessões Rodoviárias Federais[1]

 

Os critérios deverão ser igualar o padrão das rodovias estaduais e federais, com a instalação de balanças para taxação de todo o tráfego rodoviário por peso onde houver praças de pedágio, mesmo que para isso se tenha de, num primeiro momento, lançar mão de mais concessões a empresas privadas.

É fato notório que recentemente, em janeiro de 2007, o Governo do Estado Nacional voltou atrás no oferecimento da infra-estrutura rodoviária em concessão a empresas privadas, resguardando para si a oportunidade de exercer ele mesmo, o Governo, a função de uma empresa-ordenadora, ou seja, manter a infra-estrutura rodoviária e cobrar as taxas necessárias para essa manutenção.

Manobra política muito controversa, interessa aqui saber o que ela sinaliza para o futuro próximo do subsetor. Cairá em engano o observador apressado que imaginar que o Programa aqui descrito está a se implementar de cima para baixo, de uma hora para outra, acreditando que Governo do Estado já encaminha o subsetor na direção do Programa.

E isso não é assim, simplesmente, porque o Governo Federal, guardião do Tesouro Nacional, não pode arcar com a manutenção da infra-estrutura rodoviária nos padrões materiais necessários para o início do Programa multimodal aqui proposto. Os custos de manutenção da parte " não atraente" aos capitalistas privados serão, via de regra, muito maiores do que os lucros advindos de uma administração "razoável" de um trecho pedagiado, seja ela feita ou por uma empresa privada, ou por um braço público do Tesouro Nacional.

Daí que as concessões de trechos rodoviários se imporão como uma necessidade inescapável ao subsetor, e mesmo a participação do Governo enquanto agente público nessa função ordenadora deverá ser por essa via.

Desse modo, o Governo do Estado será persuadido pelos outros poderes públicos e empresas privadas a abandonar essa empreitada a partir de então. Somente no caso de uma improvável resistência do Governo contra essa persuasão é que se lhe apresentará um dilema a vencer: ou segue no mesmo modelo de administração federal de fundo único, no qual atrai receita em uns trechos de rodovia para cobrir um rombo muito maior nos trechos restantes, e assim endivida ainda mais o Tesouro Nacional, pondo sua "governabilidade" em perigo, ou muda a forma de sua atuação no subsetor e cria uma empresa-ordenadora de propósito específico para manutenção e controle das rodovias federais.

Dependendo do modo como faça essa última manobra, o Governo poderá ou não ter sucesso em seus propósitos. Se, por um lado, pretender passar todo o seu poder atual para essa nova empresa, e torná-la concessionária de todas as rodovias federais ainda mantidas pelo fundo público do DNIT, então o Governo terá ido longe demais e posto tudo a perder.

Pois no caso improvável de isso acontecer, teríamos a situação totalmente nova de uma única empresa estatal a disputar os mesmos mercados de licitações com as concessionárias rodoviárias. Ora, isso seria o mesmo que uma declaração de guerra às empresas privadas do subsetor, cálculo político sem chance de ocorrer pelas mãos dos políticos atuais.

É por isso que a saída neste caso será a criação de empresas públicas de economia mista, com cada DER controlando a sua, e uma controlada pelo DNIT, as quais possam participar de licitações ao lado de outras concessionárias, mas que não sejam "herdeiras" naturais do direito estatal.

Daí que, qual seja o destino a que nos reservam os políticos, podemos prever desde já um zigue-zague nessa questão, ora "avançando" no controle governamental direto sobre a infra-estrutura rodoviária, ora "recuando" em concessões de trechos de rodovias federais para as empresas-ordenadoras, sejam elas totalmente privadas ou de economia mista.

O importante do ponto de vista deste Programa é identificar, dentro desse aparente zigue-zague, a evolução do subsetor na direção da consolidação de empresas-ordenadoras que trabalhem em sintonia e em confluência de interesses, sejam elas empresas privadas, sejam empresas sob controle majoritário do DNIT ou dos DER.

Após essa consolidação das empresas-ordenadoras, deve-se estar preparado para dar o passo mais arriscado, porém necessário: a união de todas as empresas-ordenadoras de economia mista estaduais sob uma mesma empresa, uma holding federal, a ser controlada majoritariamente pelo DNIT, mas com participação acionária de cada DER estadual.

Isso estabelecerá uma nova forma para a hierarquia federal-estadual, notavelmente favorável à União, mas sem usurpar os patrimônios dos estados e, mais importante ainda, sem derrotar os estados politicamente. Serão os interesses das empresas estaduais de economia mista que confluirão, por impulso próprio, à síntese de interesses sob uma mesma empresa.

E isso não significará a criação de uma empresa-gigante, um colosso monopolista à imagem de uma Petrobras ou uma CVRD, mas sim uma associação de empresas com interesses coincidentes, naturais na fase atual de nosso desenvolvimento econômico e, prevejo, ainda na próxima fase que se abre.

 

 

As empresas-transportadoras rodoviárias a conduzir o subsetor

Sobre essa luta que se desenvolverá na infra-estrutura rodoviária, deverá ser mantida a atuação das transportadoras rodoviárias que hoje em dia garantem 3/4 da circulação terrestre das mercadorias no País. Essa é a parte mais sensível do subsetor rodoviário, e é a que mais atenção ocupa do Estado, que lhe devota quase todos os 1.200 funcionários da ANTT.

O cuidado imprescindível que se deverá ter nessa fase de transição é não opor obstáculos ao tráfego rodoviário de cargas com, por exemplo, a duplicação de documentação ou taxações pelo modelo antigo e pelo novo, isto é, deve-se utilizar ao máximo os instrumentos já existentes para direcionar as empresas-transportadoras a se comportarem segundo o Programa. E serão essas empresas que, uma vez na vanguarda do subsetor, conduzirão todo ele a se adaptar às suas necessidades, acelerando com isso a transição em direção ao Programa setorial.

Para que seja assim, deverá ser dado especial incentivo às transportadoras que privilegiarem o uso de implementos para contêineres em vez de baú simples. Tal incentivo poderá ser oferecido através de Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas, o CTMC, que confere benefícios especiais às empresas-transportadoras que operem em multimodalidade. Essas empresas são, daí, habilitadas como OTM, Operador de Transporte Multimodal, e passam a poder operar em mais de um modo de transporte.

Atualmente existem 230 OTM cadastrados na ANTT, e esses são grandes transportadoras e empresas de logística. Essas empresas deverão ser a vanguarda do subsetor no serviço de transporte, pois já operam na multimodalidade, possuem habilitação que dispensa a checagem de sua carga a cada posto aduaneiro ou de passagem, o que agiliza em muito o tempo de deslocamento, e também tendem a conteinerizar suas cargas para se adaptarem a essas operações.

Se puderem influenciar decisivamente as outras empresas-transportadoras menores em seguir o seu modelo, observaremos uma alteração naquela forma do serviço de transporte no modo rodoviário que foi descrita na Parte Retrospectiva.

A principal dessas alterações deverá ser a disseminação do uso do contêiner como forma-tipo da carga rodoviária, o que levará a uma segunda mudança, mais difusa, que será a alteração do estatuto do trabalho no serviço de transporte rodoviário.

Isso porque o caminhão hoje, nas pequenas e médias transportadoras, pertence ao motorista, que o emprega na empresa que o contrata como um fator de capital próprio. O mesmo não vale para as grandes transportadoras que apenas empregam mão-de-obra para operar os seus caminhões. Mas nas pequenas e médias transportadoras ele é o instrumento de trabalho do caminhoneiro, e que é utilizado inclusive fora da empresa contratante, em trabalhos temporários e avulsos, em fins-de-semana e por conta própria.

Com a gradual transição para a conteinerização das cargas, observaremos uma alteração na paisagem do interior do País, quando ficará à mostra os caminhões que trafegarão vazios e aqueles que estarão empregados em alguma transportadora.

Com o uso do contêiner, que é um cofre de carga, o volume não pertencerá mais ao caminhoneiro que trabalha para muitos clientes ao mesmo tempo: ele pertencerá à empresa-cliente, que paga o serviço de transporte sobre o volume cúbico do contêiner alugado —e alugado não necessariamente do caminhoneiro ou mesmo da sua empresa-transportadora.[2]

Eu devo ser o mais claro possível neste ponto, para que não pairem dúvidas: isso provavelmente levará a um aumento da dependência do trabalhador em relação à empresa-transportadora intermediária do serviço de transporte, ou seja, ao rebaixamento do estatuto de trabalho do caminhoneiro, decorrente da perda da propriedade do seu instrumento de trabalho. A involução do emprego nesse subsetor é, contudo, condição necessária para a evolução dos outros subsetores de transporte, bem como para a melhoria das condições gerais de trabalho na indústria nacional.

O importante no conjunto dessas mudanças é que o carregamento de cada veículo será racionalizado e tenderá à plenitude, o que, se por um lado otimizará os recursos energéticos em função de toneladas/km-litro despendidos, por outro lado sobrecarregará o leito rodoviário das precárias estradas brasileiras com veículos mais pesados. Mas serão as rodovias que terão de ser preparadas pelas empresas-ordenadoras para suportar esse sobrecarregamento, como já foi visto no bloco anterior, pois essa deve ser a direção a se dar às empresas-transportadoras e ao trabalho no serviço de transporte rodoviário.

Pode-se prever que essas alterações no serviço de transporte por modo rodoviário serão ainda mais acentuadas à medida que os subsetores funcionem cada vez mais como sistema e assim se manifeste a retração da hegemonia do modo rodoviário na divisão modal de transportes.  



[1]

Fonte: ANTT. Disponível em: <http://www.antt.gov.br>. Acesso em: 19.1.7. As etapas distintas no mapa são:

1ª Etapa - Trechos Concedidos Administrados pela ANTT (em operação): Trecho Rio de Janeiro/São Paulo (BR116) = 402,0 km; Trecho Ponte Presidente Costa e Silva (BR101) = 13,2 km; Trecho Juiz de Fora/Petrópolis/Rio de Janeiro (BR 040) = 179,9 km; Trecho Além Paraíba/Teresópolis/Entrada com a BR-040RJ (BR116) = 142,50 km; Trecho Osório/Porto Alegre (BR290) = 121,0 km; Trecho BR-116/BR-392/BR-293 Polo Rodoviário Pelotas (BR116/392/293) = 623,8 km; Total = 1.482,4 km.

2ª Etapa do Programa de Concessão (a licitar): Trecho Divisa MG/SP a Divisa SP/PR (BR153) = 321,6 km; Trecho Curitiba e Divisa SC/RS (BR116) = 412,7 km; Trecho Divisa MG/RJ ao Ent. BR-116 (Via Dutra) (BR393) = 200,4 km; Trecho Divisa ES/RJ a Ponte Rio-Niterói (BR101) = 320,1 km; Trecho Belo Horizonte/São Paulo (BR381) = 562,1 km; Trecho São Paulo/Curitiba (BR116) = 401,6 km; Trecho Curitiba/Florianópolis (BR116/36/101) = 382,3km; Total = 2.600,00 km.

Parcerias Público-Privadas (a licitar): Trecho Div. MG/BA - Salvador (BR116/324) = 637,4 km; Total = 367,4 km.

[2]

Atualmente, grande parte das transportadoras rodoviárias já trabalha dessa maneira, tratando o baú do caminhão como área restrita ao acesso do motorista, que é apenas o seu guardião ou segurança, quando nem isso ele é, pois algumas transportadoras controlam seus veículos via satélite. Essa configuração atual leva o trabalho no serviço de transporte a um passo de assumir as formas aqui prognosticadas. Já a distribuição de contêineres na nova forma do serviço terá solução-tipo proposta na seção Projeto, como serviço organizado pelos Correios.

 

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