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PREFÁCIO | ||
Escrevo estas páginas iniciais depois de haver concluído o estudo que segue nas próximas páginas. E se é comum que todos os prefácios sejam feitos dessa maneira, após a obra concluída, assim teve de ser para o meu caso também. E isso porque só agora, ao cabo de todo essa trabalho que me consumiu ano e meio, é que posso compreender o que fiz, e daí apresentar o produto do meu trabalho e descrever o caminho que tomei para que o examinador siga o meu raciocínio. Esse raciocínio originou-se de reflexões que extrapolam o limite de uma disciplina da faculdade, ou mesmo do Trabalho Final de Graduação. São de uma vida inteira, senão mais, mas que tomaram a forma presente pelo estímulo de produzir o TFG, o qual os alunos da FAU costumamos levar muito a sério e tomá-lo como o ápice de nossa formação como arquitetos. E por isso desejamos que nosso projeto represente tudo aquilo com que nos identificamos em nossa profissão. Assim, quando chegou a hora de ser instigado a "procurar a minha questão" para responder no TFG, minha dificuldade inicial foi definir qual delas representaria todas as minhas identidades nas variadas "áreas" em que se aplicam os arquitetos. Durante meus 8 anos de graduação, busquei essas identidades trabalhando em ambientes profissionais voltados para quase cada uma das "áreas" da arquitetura: a edificação, o desenho industrial de peças, o paisagismo, a programação visual, o planejamento urbano, o desenvolvimento tecnológico, bem como a produção historiográfica. Natural que essa minha busca pela identidade de arquiteto me levou a uma situação muito difícil quando da escolha do meu tema de TFG. Que fazer? Abandonar as questões que afligem os profissionais do incipiente desenho industrial, profissão ainda informal e desconhecida no País, em função das que preocupam os historiadores que buscam interpretar as conseqüências de nossos atos? Abandonar o planejamento urbano em troca da edificação, ou do paisagismo? Percebi logo que, independentemente de qual dessas "áreas" da arquitetura privilegiasse, invariavelmente cairia em uma área que não é privilegiada pela sociedade. Daí que, na procura do que me parecesse unisse essas áreas de interesse, o primeiro traço em comum que pude perceber foi a promessa do desemprego ou subemprego. E não falo só de mim. Essa parece ser a percepção comum dos jovens arquitetos e estudantes de minha geração. Nossa profissão está posta de escanteio, a definhar em atividades de subemprego de nossas capacidades, enquanto o País segue cada vez mais carente de nosso trabalho. Portanto, ao partir para o TFG e pôr termo à minha formação, abandonei aquela dificuldade inicial para substituí-la pelo entendimento desse problema da separação de demanda de emprego e necessidade de trabalho, ou seja, de evidente e gritante necessidade de trabalho em arquitetura que há acumulada no País, e recíproca falta de emprego em nossa profissão digna de nossas capacidades e formação. Daí que o problema para mim não era que eu tivesse tido uma formação falha e a "faculdade não me serviu para arranjar uma boa profissão". Não. A minha faculdade me formou muito bem, em minha opinião. O problema está lá fora, no mercado de trabalho e na arquitetura que podemos construir com os meios disponíveis hoje na sociedade. Como enfrentar esse problema, como resolver esse problema, pareceu-me muito mais importante de me questionar, agora que saio da Universidade, do que me ocupar em qualquer outra questão que, por mais que me parecesse importante (e elas existem), estariam fatalmente destinadas à gaveta e ao esquecimento. Como criar os empregos necessários a nossa categoria é uma questão de muitas respostas possíveis. O importante na solução desse problema é fazê-lo de forma tal que resolva ao mesmo passo a falta de emprego de outras categorias, assim como daquelas pessoas que nem categoria têm, mas que dependem de seu trabalho para sobreviver. Minha entrada nessa questão, que condicionou a forma como procurei tratá-la neste trabalho, foi formada no estudo historiográfico que precedeu este TFG como minha ocupação científica. Esse estudo permanece inédito, talvez por que seja mais uma revisão de temas da historiografia já muito pisados, e "pisados por gigantes", que são os relacionados à história econômica da capitania de São Paulo no período pré-Independência, ali pelos anos de 1750 a 1822. As conclusões desse estudo de história devem ser procuradas lá, mas aqui retenho o que dele trouxe para este TFG, o que condicionou minha entrada nessa questão do desemprego das profissões liberais, do baixo estatuto da prestação de serviço em nossa economia de formação escravista. Pois, ao rever essa história da capitania de São Paulo que muitos autores já reviram —e autores de maior calibre do que o meu—, penso ter descoberto algo valioso para o nosso entendimento do presente. Se isso é algo original ou não, pouca importância tem. Mas o que importa é que a formação tanto dessa classe média encurralada nesta sociedade de ordem escravocrata em que ainda vivemos, quanto do capital nacional que empregou essa classe, essa formação pode ser traçada retrospectivamente na história, por sobre os trabalhadores industriais urbanos do início do século XX e seus patrões ex-cafeicultores, por sobre os senhores-de-engenho e seus capatazes agregados, até o comércio interno e os trabalhadores no transporte da época, os tropeiros. Aos tropeiros devemos o progresso "precoce" pela utilização da moeda como meio de troca do seu trabalho em época na qual o produto das atividades primário-exportadoras era meio de troca por excelência, inclusive nas receitas estatais. Esse recurso à moeda pôde dar autonomia econômica ao tropeiro, dando-lhe estatuto de homem livre quando o normal era a relação senhor-escravo. Os tropeiros inclusive subcontratavam a prestação do serviço de transporte a partir de relações de contrato, mediadas pela troca de dinheiro. Levando valores de um ponto a outro no território do Rei, trocavam seu trabalho por dinheiro com o qual faziam circular os valores de toda a incipiente economia interna. As conclusões desse trabalho historiográfico seguem daí em diante. Aqui, importa compreender esse caráter dos transportes que venceu duríssimas barreiras na história, caráter que pode ser mais uma vez invocado para vencer as barreiras que agora nos entravam em nosso trabalho. Foi daí que optei por deter-me neste Trabalho Final de Graduação no estudo do potencial dos transportes no necessário desenvolvimento da economia em que trabalhamos. Tomado esse ponto de partida para o raciocínio que intento sumarizar nestas linhas, primeiro supus que o próximo passo necessário para a evolução desse potencial dos transportes seria a ampliação da malha ferroviária no território nacional. Esse foi meu ponto de partida porque, à época (fins de 2005), seguia os consensos mais assentes entre os estudiosos do tema. Entre esses consensos, está o que postula que o Brasil tem o modo rodoviário de transporte excessivamente desenvolvido em relação aos outros modos de transporte conhecidos pela tecnologia. As ações daqueles estudiosos, que por agirem são chamados de planejadores, as suas ações tendem a se configurar como planos de expansão dos outros modos de transporte menos desenvolvidos, planos que são normalmente embasados em alocação de recursos do orçamento estatal para realizar essa receita que prognosticam. Por isso minha primeira suposição, minha hipótese inicial de trabalho, foi algo parecido com isso, tal como foi escrita em meu dossiê do TFG, onde supunha que essa situação de pequena participação do modo ferroviário na divisão modal poderia ser invertida com a construção prioritária de ramais ferroviários. Dessa suposição tirei o que seria o objeto do meu projeto: a definição de quais e quantos seriam esses ramais iniciais. Aliada a esse partido de projeto, tomei como hipótese auxiliar a possibilidade de alimentar um renascente transporte ferroviário de passageiros de longa distância com o fluxo que hoje está no modo aeroviário de transporte. Por essa hipótese auxiliar assumia que as origens e destinos que determinavam as viagens interurbanas de longa distância realizadas por avião, seriam teoricamente as mesmas a condicionar a sua realização por trem. E isso seria importante para baratear o custo do transporte, diminuindo com isso o preço do serviço, o que possibilitaria a aproximação das pessoas e de seus hábitos. O resultado dessa alteração de hábitos, supunha finalmente, seria que essas viagens de pessoas e trocas de objetos impulsionassem a liberação da capacidade produtiva nacional no comércio interno pela circulação facilitada de cidadãos entre as cidades brasileiras. Tudo isso era o que eu pensava em 2005, quando iniciei o estudo. Somente no decurso do ano de 2006, no diálogo progressivo com minha Orientadora e no próprio desenvolvimento das questões formuladas, é que percebi as lacunas de minhas suposições iniciais, e como tudo era muito mais complicado do que isso, de como havia etapas intermediárias que não podiam ser puladas, e precisavam ser conhecidas. Reformulei minha hipótese durante a feitura do TFG, revendo minha antiga proposta de ser outro planejador a propor mais uma vez a extensão da malha ferroviária nos ditos "ramais prioritários", para preocupar-me em decifrar o que haveria entre o projeto e a sua execução que bloqueava a ação de outros planejadores que tiveram a mesma intenção que eu tinha, o que causara o seu insucesso. Aí sim descobri o que se tornou definitivamente a questão de meu trabalho: qual é a participação dos transportes na estrutura econômica brasileira que os condiciona, isto é: como o problema a resolver (a economia nacional que nos mantém em desemprego ou subemprego de nossas capacidades profissionais) e a aventada solução (o impulso a se dar aos transportes) dependem mutuamente um do outro. Essa maneira de formular a questão condicionou o encaminhamento que dei para o meu estudo, bem como para a forma com que o apresento neste caderno. Assim, não impus limites ao estudo de outras ciências que pudessem auxiliar minha reflexão no entendimento do condicionamento do setor de transportes por outras atividades que não a de projeto. Daí que direcionei minha atenção ao estudo de aspectos econômicos que incidem sobre o planejamento de transportes, ou melhor, sobre quais aspectos econômicos o planejamento de transportes tem incidência, sendo levado daí a abordar o setor de outro ponto de vista do que usualmente conhecia e via ser feito. Não recusei nenhuma forma de bibliografia, e consultei revistas, jornais, depoimentos, visitas, documentos oficiais (atas, relatórios) e livros que me ajudaram a compor um horizonte de temas com os quais pude tecer minhas reflexões a respeito do passado do planejamento do setor, e do que poderia aprender com isso para participar no projeto de sua solução. Logo, esse estudo de revisão foi feito de maneira direcionada a resultar em proposta de sua solução, e por isso esse trabalho vem dividido em duas partes: uma primeira Retrospectiva, na qual fiz uma revisão do que julguei foram os principais pontos do planejamento no setor de transportes no século passado, cotejando esse planejamento com aquele aplicado a todo o desenvolvimento econômico no mesmo período, procurando identificar os pontos de contato entre um e outro e seu mútuo condicionamento até o estado atual em que nos encontramos. E na parte seguinte, Prospectiva, descrevo a proposta que faço para responder às questões que formulo ao longo da Parte Retrospectiva, que tomou a forma de uma Estação de Transição, tanto intermodal —ferroviária-rodoviária-aeroviária— quanto de bitolas —1,60 e 1,00m, que são as bitolas usadas na Ferrovia Nortesul onde se localizará a Estação. Ainda que a Parte Retrospectiva possa parecer dilatada para um trabalho que afinal é um projeto, uma proposta, é necessário que as duas partes constem no mesmo volume para que fique demonstrada claramente a origem das propostas que fiz na Parte Prospectiva, sem o que o projeto de uma estação em uma ferrovia que não existe pareceria sem sentido. |
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